Pior estiagem dos últimos 50 anos provoca perda de US$ 80 milhões em exportações
Antonio Pita
JUAZEIRO DO NORTE (CE) - A tradição no Cariri conta que em
anos pares a chuva é farta – especialmente Naqueles terminados em quatro. A
crença recontada pelos mais antigos é, hoje, a última esperança para mais de 20
mil produtores de mel da tríplice fronteira entre Ceará, Pernambuco e Piauí. Há
dois anos sem chuvas, eles viram minguar a produção de mel com o
desaparecimento de 90% dos enxames. Em números reais, a pior seca dos últimos
50 anos representa uma perda de US$ 80 milhões em exportações do produto.
"A gente se apega à fé", resume o apicultor José
Ferreira, de 43 anos, morador do assentamento Vila Malhada, a cerca de 20 km de
Crato, no Ceará. Ele é o único entre as 12 famílias assentadas a insistir na
cultura. Os vizinhos prefeririam a mandioca, a banana e também outros animais.
"Antes, os profetas se baseavam na natureza para fazer previsões. Hoje, o
homem já mexeu em tudo, as floradas estão doidas. Prefiro acreditar na
experiência dos mais velhos."
As previsões oficiais para o ano não são otimistas, mas José
mantém sua produção ainda assim. Ele chegou a produzir mais de uma tonelada de
mel, na época de ouro. O quilo do produto, sem agrotóxico, chegou a custar R$
200 no mercado europeu. O ápice da produção foi entre 2007 e 2009, quando todo
o Nordeste produziu 15 mil toneladas, em mais de 1,5 milhão de colmeias.
"Há dois anos não consigo pegar nenhum enxame",
lamenta o devoto de Padre Cícero. Além do barro avermelhado, das árvores
ressequidas e das carcaças às margens das rodovias, os efeitos da estiagem se
revelam também nos apiários abandonados nas estradas e propriedades da região.
A seca impediu a florada das espécies nativas, alimento das
abelhas e componente determinante para a qualidade do mel local, hoje
certificado pela União Europeia como o melhor do mundo. Desde 2002, todo o mel
da região é exportado. Na época, a China, principal fornecedora, teve a
produção embargada e o mercado viveu uma crise de oferta. "Foi quando veio
o pessoal de fora, de São Paulo, do Sul", relembra o apicultor Antonio
Fernandes, de 40 anos, que possuía cerca de cem colmeias em Barbalha, outro
distrito da região. Ele costumava revender sua produção aos vizinhos, em feiras
solidárias e exposições de agricultura familiar.
Antonio luta para recomeçar a produção com novos enxames
criados a partir de uma técnica de reprodução de abelhas rainhas. No total,
espera encerrar o ano com cerca de 150 colmeias, garantindo o sustento da
esposa e dos dois filhos. "A seca atrapalhou todo mundo, mas a gente
perdeu mais. Hoje ninguém sabe quanto é o preço final do balde",
questiona.
A crítica é para o modelo de negócio da cadeia de exportação
surgida com o apogeu da cultura. Em média, o quilo pago ao produtor custa US$
2,20, enquanto no exterior pode ser vendido por cem vezes mais, a depender da
qualidade do produto. Os empresários justificam a diferença com os custos com
exportação e certificação, como frete e despesas portuárias.
No período de crise, nem as principais exportadoras resistiram
aos efeitos da estiagem. Em dois anos, somente no Ceará o volume exportado caiu
à metade, de US$ 12,7 milhões, em 2011, para US$ 5,9 milhões, em 2013, segundo
a Câmara Setorial do Mel. "Um ano antes, projetávamos uma produção de 3
mil toneladas, mas houve mês em que não processamos nenhum quilo de mel",
conta Paulo Levy, proprietário da Cearapi, uma das principais do Estado. A
produção, que alcançava 22 toneladas por dia, foi reduzida em 80%.
Na fábrica em que investiu cerca de R$ 4,5 milhões, o cenário
era de desolação. Os cerca de 30 funcionários passaram os turnos de três horas
fazendo manutenção dos equipamentos e pintura. Os estoques ficaram vazios, e os
equipamentos importados, com capacidade para processar até 400 toneladas por
mês, foram cobertos com lonas para evitar danos com a poeira.
Em dezembro, os funcionários foram novamente liberados para
férias coletivas, em razão da baixa produção. A solução encontrada pelo
empresário foi garimpar produtores de mel em outras regiões menos afetadas, Ainda
assim, não chegou a produzir mil toneladas. "Não consegui pagar os bancos
e fornecedores, quase quebrei."
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-geral,historias-de-desalento-se-repetem,176332,0.htm
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